Uma decisão recente do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito de uma ação movida pelo Instituto Brasileiro de Empresas Mineradoras (IBRAM) relativa ao acordo dos atingidos pela tragédia de Mariana, tem gerado amplo debate sobre a soberania nacional e a aplicação de leis estrangeiras no Brasil. Embora a decisão não cite expressamente a Lei Magnitsky nem o ministro Alexandre de Moraes, ela possui claro impacto na capacidade de aplicação dessa lei no território brasileiro.
O Conteúdo da Decisão e Seus Fundamentos
A essência da determinação do ministro Dino é que nenhuma lei, decisão judicial ou ordem executiva produzida por um estado estrangeiro tem validade automática no Brasil sem a devida tramitação e homologação pelos órgãos soberanos do Estado nacional, conforme previsto na Constituição e na lei. Esta regra se estende explicitamente à aplicação da Lei Magnitsky.
Dino argumentou que os princípios constitucionais da soberania nacional e da igualdade entre os estados tornam inadmissível que o Estado brasileiro se submeta à jurisdição de outro país, uma vez que as nações são consideradas iguais e, portanto, não podem exercer julgamento umas sobre as outras. Ele determinou que transações, operações, cancelamentos de contratos, bloqueios de ativos e transferências para o exterior, se baseados em determinação de um estado estrangeiro, dependem de expressa autorização do STF.
O sistema financeiro nacional, incluindo o Banco Central, a Febraban (entidade que representa os bancos privados) e as entidades de seguro, serão notificados de que não deve aplicar ordens de estados estrangeiros sem autorização específica do STF. Em termos concretos, os bancos brasileiros estariam proibidos de dar vazão à Lei Magnitsky sem a chancela do Supremo Tribunal Federal. A desobediência a essa ordem judicial poderia sujeitar os bancos a sanções, inclusive à perda de suas licenças de operação, visto que a atividade bancária é licenciada e controlada pelo Estado. A decisão busca afastar graves e atuais ameaças à segurança jurídica em território pátrio.
O Contexto da Lei Magnitsky e o Ministro Alexandre de Moraes
A Lei Magnitsky, criada nos Estados Unidos, é uma legislação que permite ao governo americano sancionar indivíduos acusados de violações de direitos humanos ou corrupção, bloqueando seus ativos e impedindo-os de entrar no país. No Brasil, essa lei se tornou relevante devido à sua aplicação contra o ministro Alexandre de Moraes.
A Lei Magnitsky não é aplicada diretamente no Brasil, mas sim em território americano a empresas norte-americanas. Contudo, seus efeitos são sentidos no Brasil. Para uma empresa, seja ela americana ou com operações nos EUA, atuar no país, ela não pode ter como cliente um indivíduo sancionado pela Lei Magnitsky. É por essa razão que bancos como o Bradesco teriam, por exemplo, fechado a conta bancária do ministro Alexandre de Moraes, optando por cumprir a Lei Magnitsky para manter suas operações nos Estados Unidos e na União Europeia, que também cumpre essa lei.
O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, tem afirmado que não recuará "um milímetro sequer" de suas decisões, mesmo diante das sanções externas, e que fará "o que é certo". Ele justificou suas ações como necessárias para proteger a democracia brasileira contra forças que queriam eliminá-la, comparando a situação à de um país que desenvolve anticorpos após repetidos ataques.
Críticas e Consequências Potenciais da Decisão
A decisão de Flávio Dino tem sido amplamente criticada por diversos comentaristas, que alertam para consequências potencialmente devastadoras para o Brasil:
Risco de Ruptura do Sistema Financeiro: A medida é vista como perigosa e capaz de "quebrar o sistema financeiro brasileiro", que é interligado ao sistema Swift, gerido pelos Estados Unidos. O Brasil, argumentam, não conseguiria sobreviver fora desse sistema.
Dilema para os Bancos: Os bancos brasileiros se veem em um dilema: ou cumprem a determinação judicial brasileira (manter contas de sancionados) e correm o risco de sofrer sanções bilionárias, exclusão do Swift e impossibilidade de operar internacionalmente (especialmente nos EUA e UE), ou cumprem a Lei Magnitsky e enfrentam processos criminais no Brasil por desrespeito à soberania nacional. Muitos bancos, dado o volume de suas operações internacionais, tenderiam a priorizar a atuação global. Contudo, a determinação de Dino não oferece uma opção, mas sim uma obrigação legal de cumprimento da lei brasileira.
Isolamento Econômico: Há o temor de que o Brasil possa ser desligado do sistema financeiro global, como ocorreu com a Rússia, Coreia do Norte e Venezuela. Isso implicaria a incapacidade de realizar importações e exportações com o mundo ocidental, isolando o país economicamente.
Fuga de Empresas: Empresas estrangeiras e nacionais com operações globais seriam forçadas a escolher entre atuar no Brasil ou nos Estados Unidos/União Europeia. Isso poderia levar à expulsão de indústrias, bancos e montadoras do Brasil, resultando na "morte financeira do Brasil".
Ataque à Soberania Externa: Críticos defendem que a Lei Magnitsky não invade a soberania brasileira, pois ela impõe condições para empresas atuarem nos EUA, não para empresas atuarem no Brasil. A decisão de Dino seria uma "briga que nem de longe pode ganhar" contra o governo americano, que possui "opções infindáveis" de ferramentas.
Pretexto da Ação de Mariana: A ação do IBRAM relativa a Mariana é vista por críticos como um "caso qualquer" usado como pretexto para o ministro Flávio Dino "barrar a Magnitsky" no Brasil.
A situação é considerada complexa demais e tem pontos bastantes desafiadores. Alguns veem a decisão como uma "jogada" do STF para "dobrar a aposta" e ver se os Estados Unidos perdem o foco no Brasil. A discussão se aprofunda na questão de se o Brasil estaria caminhando para um modelo similar ao da Venezuela ou Coreia do Norte, isolado e sob um controle estatal mais rígido, cenário que o próprio Flávio Dino, autodeclarado comunista, foi acusado de querer promover.
Em suma, a decisão do ministro Flávio Dino busca reafirmar a soberania do judiciário brasileiro perante determinações estrangeiras. No entanto, as críticas levantadas sugerem que, ao fazê-lo, o Brasil pode se colocar em uma rota de isolamento econômico e risco para seu sistema financeiro, forçando empresas a escolhas difíceis e potencialmente comprometendo a estabilidade e a credibilidade do país no cenário internacional.