Uma Reflexão sobre a Coragem de Não Agradar: Desvendando a Psicologia Adleriana
O audiobook "A Coragem de Não Agradar" nos convida a uma jornada de autoconhecimento e transformação, destilando as ideias e ensinamentos filosóficos e psicológicos de Alfred Adler. Apresentado na forma de um diálogo envolvente entre um filósofo experiente e um jovem insatisfeito com a vida, o livro oferece respostas diretas à questão fundamental: como ser feliz?. As teorias de Adler, embora por vezes subestimadas em comparação a Freud e Jung, são apresentadas como uma chave para esse segredo.
A Simplicidade Subjetiva do Mundo
Desde o início do diálogo, o filósofo choca o jovem ao afirmar que o mundo e a vida são espantosamente simples. Esta afirmação, longe de ser um idealismo ingênuo, baseia-se na premissa de que "não vivemos em um mundo objetivo, mas em um mundo subjetivo ao qual damos sentido". A experiência da água do poço, que parece fresca no verão e morna no inverno, apesar de manter a mesma temperatura, ilustra que a nossa sensação e o sentido que atribuímos aos fatos moldam a nossa realidade. Assim, se o mundo parece um caos complicado, é porque "você está transformando o mundo em algo complicado". A felicidade, portanto, não é uma condição externa, mas uma questão de coragem para mudar o nosso modo de pensar e ver o mundo sem filtros.
Teleologia: O Propósito por Trás de Nossas Ações
Um dos pilares revolucionários da psicologia adleriana é a teleologia, que se contrapõe à etiologia freudiana. Enquanto a etiologia busca causas passadas para explicar os efeitos presentes (como traumas de infância), a teleologia adleriana foca nas metas do presente. Adler nega categoricamente a existência do trauma como causa determinante de nossa infelicidade. Em vez disso, ele propõe que "não somos determinados por nossas experiências, mas o sentido que damos a elas é autodeterminante".
O exemplo do amigo recluso do jovem ilustra essa ideia: ele não consegue sair de casa porque tem um trauma, mas sim para alcançar a meta de não sair na rua, criando ansiedade e medo como um meio para atingir esse propósito. Da mesma forma, a raiva não é uma emoção incontrolável que nos domina, mas uma ferramenta que escolhemos usar para manipular ou controlar os outros, como no exemplo da mãe que grita com a filha e muda de tom ao atender o telefone. Para Adler, "o eu não é determinado por nossas experiências, mas pelo sentido que damos a elas".
O Estilo de Vida é Uma Escolha e a Coragem de Mudar
A psicologia adleriana introduz o conceito de estilo de vida (lifestyle), que abrange nossa personalidade, temperamento, visão de mundo e perspectiva de vida. Crucialmente, Adler afirma que "o estilo de vida é tudo aquilo que você escolhe para si". Essa escolha, muitas vezes inconsciente e influenciada por fatores externos na infância, ocorre por volta dos 10 anos de idade. Se escolhemos nosso estilo de vida, podemos escolher mudá-lo.
A infelicidade, portanto, não é um destino imposto, mas uma escolha. As pessoas, mesmo desejando mudar, frequentemente escolhem não fazê-lo porque seu estilo de vida atual, com suas limitações, é "prático" e "seguro", oferecendo uma previsibilidade que a mudança não oferece. "A psicologia adleriana é uma psicologia da coragem", e a infelicidade pode ser atribuída à "falta de coragem de ser feliz". Mudar exige coragem para enfrentar a ansiedade do desconhecido.
Todos os Problemas Têm Base nos Relacionamentos Interpessoais
Uma das premissas mais contundentes de Adler é que "todos os problemas têm base nos relacionamentos interpessoais". Se pudéssemos viver sozinhos no universo, sem mais ninguém, todos os nossos problemas desapareceriam.
Sentimentos de inferioridade, por exemplo, surgem da comparação com os outros. A baixa estatura do filósofo, objetivamente medível, só se torna um sentimento de inferioridade quando comparada à altura média das pessoas. O complexo de inferioridade surge quando usamos esses sentimentos como desculpa para não agir ou para justificar a inação, pensando "minha instrução é deficiente, por isso não vou alcançar o sucesso". O complexo de superioridade, por sua vez, é uma compensação de sentimentos de inferioridade, onde a pessoa age como se fosse superior, muitas vezes por meio de ostentação ou vanglória. Ambos são manifestações de uma falta de coragem para o esforço saudável.
Para Adler, a competição nos relacionamentos interpessoais é uma armadilha. Quando vemos os outros como rivais ou inimigos, estamos constantemente comparando, vencendo ou perdendo, o que gera sentimentos de inferioridade e um mundo perigoso. A "mentira da vida" é transferir a responsabilidade pela própria situação para os outros ou para o ambiente, fugindo das tarefas da vida.
A Separação de Tarefas e a Liberdade de Ser Detestado
Diante da complexidade dos relacionamentos, a psicologia adleriana propõe a separação de tarefas. O princípio é simples: perguntar "de quem é a tarefa?". Identificamos quem arcará com as consequências finais da escolha. Se é tarefa do filho estudar, os pais não devem intervir, mas oferecer apoio e demonstrar que estão dispostos a ajudar quando solicitado.
Essa separação é o "portão de entrada" para bons relacionamentos. A liberdade nos relacionamentos interpessoais é definida como "ser detestado por outras pessoas". Não significa buscar ativamente o ódio, mas ter a coragem de viver de acordo com os próprios princípios, sem ter medo de desagradar a alguns. O desejo de reconhecimento, para Adler, é uma forma de escravidão, pois nos leva a viver para satisfazer as expectativas alheias, perdendo a nossa individualidade. "O preço da liberdade nos relacionamentos interpessoais é desagradar algumas pessoas".
Senso de Comunidade e Encorajamento
O objetivo final dos relacionamentos interpessoais é o senso de comunidade (também chamado de "interesse social"). Este conceito envolve três pilares: autoaceitação, confiança nos outros e contribuição para os outros.
- Autoaceitação: Não se trata de autoafirmação (fingir ser capaz quando não é), mas de aceitar o eu incapaz do jeito que é, e ter a coragem de mudar o que for possível. É uma "resignação afirmativa" que exige enxergar a situação com clareza e força.
- Confiança nos outros: É acreditar incondicionalmente nas pessoas, sem exigir garantias. Embora haja o risco de ser traído, a dúvida constante na base dos relacionamentos impede o desenvolvimento de laços profundos. A coragem para confiar vem da autoaceitação.
- Contribuição para os outros: É sentir que nossa existência e nosso comportamento são benéficos para a comunidade, ou seja, que somos úteis a alguém. Não implica autossacrifício, mas a consciência de nosso valor através da utilidade. Isso pode se manifestar no trabalho, em obras de caridade ou em pequenas ações do dia a dia, como lavar a louça em casa. A contribuição, para Adler, deve ser vista no nível do ser (a gratidão pela mera existência de alguém), não apenas no nível dos atos (o que a pessoa faz).
Para nutrir o senso de comunidade e as relações horizontais (de igualdade, não hierárquicas), Adler defende o encorajamento. Em vez de elogiar ou repreender (que são formas de manipulação e reforçam a hierarquia), devemos expressar gratidão e alegria com palavras como "obrigado" ou "estou contente". Isso demonstra reconhecimento pelo valor do outro sem julgamento.
Viver Intensamente no "Aqui e Agora"
A vida não deve ser vista como uma linha que vai do nascimento à morte, uma "escalada de montanha" em busca de um topo ou um destino. Essa visão linear (cinética) transforma a maior parte da vida em um "período de trânsito". Em contraste, Adler propõe uma vida energética (energeia), que é uma série de momentos vividos intensamente no "aqui e agora", como uma dança. Não se trata de hedonismo, mas de fazer tudo o que é possível agora de forma intensa e consciente.
A maior das mentiras da vida é não viver o aqui e agora, olhando para o passado e o futuro, o que nos afasta do presente e nos faz inventar desculpas. Quando vivemos intensamente o momento, a vida é sempre completa e não precisamos de um destino predeterminado.
O Sentido da Vida e a Estrela Guia
Adler afirma que a vida em geral não tem sentido. No entanto, o sentido da vida deve ser atribuído pelo indivíduo. Diante das tragédias, devemos olhar para frente e perguntar "o que posso fazer daqui para frente?".
Para aqueles que se sentem perdidos na busca pela liberdade, a psicologia adleriana oferece uma estrela guia: a contribuição para os outros. Enquanto mantivermos essa bússola em mente, direcionando nossas ações para beneficiar a comunidade, não nos sentiremos perdidos e encontraremos a felicidade e companheiros ao nosso lado.
O Poder de Mudar o Mundo
Em última análise, a mensagem de Adler é de empoderamento individual: "Se eu mudo, o mundo muda". O indivíduo tem um poder incomensuravelmente grande para transformar sua própria percepção da realidade e, consequentemente, sua experiência de vida. É uma questão de ter a coragem de dar o primeiro passo. O desafio não é a falta de habilidade, mas a falta de coragem para abraçar essa perspectiva.
A psicologia adleriana, com suas "antíteses ao pensamento social comum", convida-nos a uma revolução interna. Ao negar o trauma, converter a etiologia em teleologia, descartar o desejo de reconhecimento, praticar a separação de tarefas e viver intensamente o aqui e agora com um senso de comunidade, abrimos o caminho para uma vida mais simples, feliz e livre. É uma filosofia que, como a neve fresca iluminada pela lua cheia, nos chama a dar o primeiro passo e abraçar o potencial de um novo dia.