A Vida Pós-Pornô: De Fernandinha Fernandes a Carla Malé: Vazio, Vícios e a Busca por Propósito

 


A Vida Pós-Pornô: De Fernandinha Fernandes a Carla Malé: Vazio, Vícios e a Busca por Propósito

A trajetória de Carla Malé, mais conhecida pelo nome artístico Fernandinha Fernandes, uma das grandes figuras do cinema adulto nacional, foi o tema central de uma entrevista franca no podcast Achismos. A conversa não apenas revisitou o auge de sua carreira, mas focou nas consequências pessoais, o vazio existencial e a difícil transição para uma vida comum, ressaltando a importância do propósito e do estudo.

O Mercado Adulto e o Dinheiro Fácil de Outras Épocas

Fernandinha Fernandes foi um nome constante no cenário adulto antes do boom das plataformas de conteúdo online. Diferentemente do mercado atual, onde as pessoas podem ser suas próprias produtoras e monetizar diretamente (como no Xvideos ou Privacy), na época de Carla, o maior lucro não vinha dos filmes.

Carla ganhava um cachê fixo por cena (cerca de R$ 1.500), mas filmava com pouca frequência, aproximadamente a cada três meses. A maior parte do seu faturamento provinha dos programas e shows, onde os vídeos atuavam como vitrines para elevar sua imagem e, consequentemente, o preço cobrado. Em 2016, ela cobrava R$ 500 por programa, um valor que havia subido devido à alta procura.

A ex-atriz relata que seus rendimentos mensais ficavam entre R$ 20.000 (o mínimo) e R$ 40.000. Embora tenha chegado a ganhar mais de R$ 500.000, ela gastou todo o dinheiro em festas, baladas, bebida e drogas, ficando sem "R$ 1 desse dinheiro". A falta de "cabeça" e a ausência de influências certas contribuíram para essa má gestão financeira.

O Vazio e a Crise de Identidade

Apesar do sucesso financeiro, Carla enfatiza o quão vazia sua vida se tornou. Ela ganhava dinheiro "por ganhar", sem um propósito, sonho ou objetivo.

O sentimento de vazio, aliado à zona de conforto do dinheiro fácil, levou-a ao abuso de substâncias. Após um período de 10 anos focada apenas no trabalho e sem vícios, ela voltou a usar drogas por volta dos 27 anos. A situação se agravou em 2020, durante a pandemia, quando o Xvideos começou a monetizar fortemente. Embora vídeos antigos tivessem gerado R$ 5.000 em um mês, a pressão de querer parar e a situação de isolamento a fizeram usar muita cocaína como uma fuga do relacionamento tóxico anterior e da própria vida.

O uso de drogas, incluindo cocaína e o anestésico de cavalo ketamina (usado por seu ex-marido), levou a episódios de paranoia intensa. Ela chegou a alucinar, acreditando que estava sendo observada ou que havia câmeras e pessoas tentando invadir sua casa, e até mesmo que seus amigos descobririam seu vício.

Carla teve uma crise de identidade a partir de 2017/2018, sentindo-se incomodada por as pessoas se aproximarem apenas da "Fernandinha" (a imagem que ela vendia), e não da "Carla" (quem ela realmente era).

A Decisão de Parar: O Fundo do Poço

A decisão de abandonar a indústria não foi imediata. Carla protelou a saída porque se sentia "inútil", pensando: "Eu vou parar eu vou fazer o quê?". Ela relata que trabalhar um mês todo para ganhar o que ganhava em um dia a mantinha na zona de conforto.

O ponto de virada definitivo ocorreu em 2020, quando ela quase morreu devido ao uso excessivo de drogas. Ela teve uma frequência cardíaca extremamente alta, sentiu dificuldade para respirar e implorou a Deus para não morrer sozinha. Esse impacto foi o suficiente para que ela se desvencilhasse dos vícios, jogando tudo no vaso.

O Recomeço e a Busca por Propósito

Ao sair da indústria, Carla enfrentou a realidade de ter 33 anos, ser muito conhecida e não ter estudos formais. Seu salário caiu drasticamente de R$ 30.000 (em média, no auge) para R$ 3.500 em um emprego convencional, uma diferença que exigiu uma adaptação mental difícil.

Ela atribui a mudança em sua vida ao conhecimento e ao estudo, que, segundo ela, são as únicas formas "saudáveis e sustentáveis" de mudar a vida. Seu marido, Vinícius (que ela conheceu logo após o período crítico), a ajudou a se concentrar em uma nova carreira, o marketing.

Carla reforça que, para quem busca sair, é crucial mudar o ambiente e cortar relações com amigos que dificultam a saída, pois somos influenciados o tempo todo.

Preconceito e Consequências Duradouras

Mesmo com a vida transformada, Carla lida com as consequências de seu passado. A pior parte do pornô, para ela, é o preconceito e o fardo que carrega para o resto da vida. Ela sente que precisa constantemente provar que não é "aquela menina da praça que transava com Deus e Mundo". Uma vez que o conteúdo cai na internet, o controle se perde, e ele permanece lá para sempre.

A ex-atriz também aborda o histórico de trauma entre as mulheres da indústria. Ela revela ter sido abusada na infância (entre 6 e 7 anos), um evento que, inconscientemente, a levou a buscar ser desejada e encontrar no pornô uma forma de se sentir valorizada, superando o complexo de ser o "patinho feio" da turma.

O Dinheiro Sem Propósito

Carla desaconselha a entrada no universo adulto para jovens, especialmente aqueles com cerca de 20 anos, que não têm noção das consequências de ter seu conteúdo na internet para sempre.

Ela conclui que o problema fundamental de sua vida anterior era o dinheiro sem propósito. Se a pessoa na indústria hoje não usa os ganhos para investir ou estudar—dando um propósito claro para o dinheiro—ela inevitavelmente se sentirá vazia e refém desse "dinheiro fácil".

A história de Carla Malé serve como um testemunho de que o conforto excessivo pode ser destrutivo. O vazio, seja ele causado pelo dinheiro fácil ou pela falta de objetivos, frequentemente leva as pessoas a buscar emoção e fuga nos vícios. Ela encerra a reflexão: "Eu não tinha esperança para o meu futuro. Tudo era presente".