Reflexões sobre a Fé e o Ceticismo em Debate: Uma Análise do Confronto entre 1 Ateu e 30 Cristãos
O debate transcrito, que coloca o neurocientista e psicólogo ateu Daniel Gontijo frente a 30 cristãos, aborda alguns dos temas mais complexos e antigos da filosofia da religião. As discussões giraram em torno da manifestação divina, a justificação do sofrimento, a autoridade das Escrituras, a justiça da condenação eterna, a ocorrência de milagres e, por fim, a historicidade da ressurreição de Jesus.
A seguir, apresentamos uma reflexão aprofundada sobre os argumentos centrais levantados neste confronto de cosmovisões.
Ocultamento Divino e a Prova da Existência de Deus
Um dos pontos de partida do debate é o argumento cético de que, "se Deus existisse, ele não se esconderia". O ateu Daniel Gontijo argumenta que, sendo Deus sumamente bom e amoroso, Ele deveria ter uma abertura para se relacionar com Sua criação (nós, Seus filhos). No entanto, muitas pessoas buscam esse contato e não encontram resposta, caindo em "secura espiritual", como ilustrado pelo caso de Leandro Carnal. Gontijo levanta a questão do desequilíbrio e do regionalismo da revelação, questionando se Deus não poderia ter sido mais claro ou menos regional (no caso de Jesus no Oriente Médio) para que mais pessoas se convertessem. Ele nota que 70% da população mundial não aderiu à mensagem cristã.
Em resposta, os participantes cristãos apontam que a premissa do ateu é uma contradição circular, pois pressupõe a inexistência de Deus ao exigir Sua manifestação física. Se Deus é assumido a priori como transcendental, imaterial e infinito, encontrá-lo cientificamente ou como uma "super matéria" é impossível. Além disso, a maioria da população mundial (93%, excluindo ateus) reconhece alguma divindade, o que sugere que Deus está escondido apenas para aqueles que não O buscam, e não para o mundo. Para os cristãos, Deus se revela de quatro maneiras: proposicionalmente (Escrituras), na consciência (lei imutável no coração), naturalmente (por meio das coisas criadas, como a natureza e o ser humano) e, de forma mais surpreendente, na encarnação histórica de Jesus. Um participante ainda afirma que o ser humano é a maior prova da existência de Deus, comparando a negação de Deus à negação do criador de um relógio.
O Problema do Mal e a Liberdade Humana
O segundo grande tema questiona a compatibilidade entre um Deus amoroso e onipotente com a existência do mal e do sofrimento. O ateu Daniel Gontijo cita a existência de sofrimento desnecessário, inútil e injustificado, como doenças que acometem recém-nascidos, a agonia de animais em desastres naturais, e os próprios desastres naturais que não envolvem o livre-arbítrio humano.
As respostas cristãs se desdobram em várias frentes:
- Testemunho Pessoal: Uma participante (Roberta) que sofreu abuso na infância testemunhou ter encontrado em Deus o resgate para as "feridas na alma", afirmando que não é Deus quem permite o mal, mas sim as pessoas que o fazem.
- Visão Filosófica (Agostiniana): O mal não é uma substância, mas sim uma privação de bem. Consiste em fazer uma "má escolha", optando por um bem inferior em detrimento de um superior (como escolher a autopreservação em vez de salvar uma vida).
- Livre Arbítrio: A permissão do mal é o preço da liberdade humana (livre arbítrio ou livre agência). Deus, sendo perfeitamente bom, permite que o homem tenha a liberdade de escolha.
- Limitação da Consciência: Questões profundas, como o sofrimento de um bebê que "desencarna" cedo, podem ter a ver com um campo prévio de informações (contexto da alma, da família, desenvolvimento da consciência humana) que está além da nossa capacidade intelectual de compreensão racional.
A Autoridade da Bíblia e a Revelação Progressiva
A crítica de que a Bíblia não é a Palavra de Deus baseia-se em dois pilares principais: a corrupção textual ao longo do tempo (deturpações, passagens que não estavam nos originais) e a presença de comandos divinos moralmente deploráveis, como genocídio, escravidão e a condenação de homossexuais. Gontijo também aponta que muitas narrativas bíblicas são herdadas de outras tradições (como o Dilúvio) e que o cristianismo não propôs tantas coisas originais.
Os cristãos respondem que, embora existam críticas textuais, nenhuma delas interfere na essência da doutrina. Episódios de violência e guerras são um relatório da história e da cultura da época em que a Bíblia foi escrita. A teologia emprega a ideia de Graça Comum, explicando que atributos como o amor ao próximo (encontrados em outras religiões, como o hinduísmo) são manifestações de Deus em todo homem.
Centralmente, é proposta a ideia de revelação progressiva e dispensacionalismo. Isso permite distinguir entre a lei do Antigo Testamento (ligada à "ânsia do coração do homem") e a nova dispensação de Cristo. Exemplo disso é Jesus não apedrejar a mulher adúltera. Quanto à escravidão, o argumento é que o papel de Cristo não era derrubar estruturas econômicas (como a escravidão romana, o que teria levado à Sua morte prematura e ao fracasso de Seu ministério de salvação). Jesus, ao curar o escravo do centurião e ao instruir o bom tratamento, estava igualando o escravo ao senhor em dignidade e estendendo a salvação a todos, o que era uma forma de pregar contra a escravidão. A Bíblia, no final das contas, é vista como um livro que precisa ser entendido em seu contexto histórico e cultural, mas do qual se pode extrair princípios.
O Inferno e a Justiça de Deus
A questão sobre se "o inferno existe Deus é injusto" traz à tona o problema da desigualdade de oportunidades para a salvação. Daniel Gontijo argumenta que a probabilidade de conversão está fortemente ligada a fatores sociais e culturais (nascer na Turquia, Índia) e que, se a maioria da população (70%) não é cristã e a condenação é eterna, o esquema de salvação não é justo.
Os cristãos contrapõem que, se o inferno não existisse, a conotação de Deus não poderia ser boa. O inferno é visto por alguns como a ausência e privação total de Deus na pós-vida. A sua criação é Deus estabelecendo Sua justiça sobre o mal e sobre aqueles que agiram contra Sua vontade. Argumenta-se que a justiça de Deus não deve ser medida pela justiça humana, pois a nossa é "corrompida". O problema não é que Deus se oculte, mas sim que algumas pessoas se negam a enxergar a luz, buscando um Deus dentro de suas próprias expectativas, e não o Deus revelado na Palavra.
Milagres e a Ressurreição
O ateu define milagre, com base em David Hume, como uma violação das leis da natureza. Diante de alegações de eventos extraordinários (como a recuperação médica dramática de uma participante), o cético busca explicações alternativas naturalistas. Tais explicações incluem erros de diagnóstico médico, intervenções concomitantes (como o uso de um remédio junto com uma benzedura, no caso das verrugas) ou a má interpretação dos eventos.
Em contraste, os cristãos, além de apresentar testemunhos de curas inegáveis pela medicina, enfatizam que Deus é um ser sobrenatural e a fé é o único meio de acessá-lo, pois o entendimento humano é raso e superficial.
O ápice do debate é a ressurreição. O argumento cristão (Thales Jr.) sustenta a ressurreição como um fato provável matematicamente (devido ao cumprimento de profecias) e psicologicamente (pela mudança radical dos discípulos, dispostos a morrer por algo que, se fosse mentira, saberiam).
Gontijo, adotando uma perspectiva naturalista e historiográfica, argumenta que Jesus era um profeta apocalipsista cuja principal profecia (o fim dos tempos nesta geração) não se cumpriu. Para explicar a crença na ressurreição sem recorrer ao sobrenatural, ele utiliza o modelo de James Fodor, que recorre a explicações mundanas para o túmulo vazio, mas foca principalmente nas alucinações de luto. Pesquisas indicam que entre 40% e 80% das pessoas em luto podem ter experiências alucinatórias. Além disso, tais experiências podem ser influenciadas e disseminadas em grupo (o "telefone sem fio"), mesmo a partir de histórias inventadas.
Por fim, a reflexão historiográfica sugere que os Evangelhos, especialmente João (o mais tardio), possuem uma baixa historicidade (cerca de 10% de historicidade em João) e contêm elementos de mitos, lendas e contos que foram distorcidos ao longo das décadas após a morte de Jesus.
Conclusão para Reflexão
Este debate ilustra a profunda divisão entre a busca por evidências empíricas e explicações naturalistas (o ceticismo) e a adesão a uma cosmovisão que privilegia a fé, a revelação e a experiência pessoal (o cristianismo). Enquanto o cético busca evidências "muito fortes" que possam excluir hipóteses alternativas mais plausíveis, o fiel reconhece que há "mistérios" e que a fé preenche a lacuna que o conhecimento não consegue alcançar. O debate, embora intenso, reafirma a importância da tolerância e do diálogo respeitoso entre visões de mundo diferentes.
Conheça meus blogs: https://alexrudson.clica.site
Saiba mais sobre meus sites e projetos: https://www.armv.clica.site
Alex Rudson