Artigo para Reflexão: Gênero, Justiça e a Busca por Equilíbrio em um Debate Polarizado
O debate contemporâneo sobre justiça social, privilégios de gênero e o papel da legislação na reparação de danos históricos é frequentemente marcado por intensa polarização. O vídeo "Debate: homens ou mulheres são privilegiados?" trouxe Leonardo Grandini, ativista político e crítico cultural, e Verena Fonseca, defensora da masculinidade, para confrontar essas questões. As reflexões levantadas no encontro evidenciam a complexidade de equilibrar a necessidade de proteger os historicamente vulneráveis com a garantia da justiça individual.
O Paradoxo da Legislação e a Aplicação do Direito
Uma das tensões centrais do debate reside na legislação de família e violência, questionando se ela representa uma "justiça histórica ou vingança legalizada".
Leonardo Grandini argumenta que, a fim de reparar danos históricos e estruturais, o Estado deve criar condições de equidade para que homens e mulheres usufruam dos mesmos direitos na sociedade, comparando a situação das mulheres com a da população preta, que permaneceu marginalizada por séculos. Ele enfatiza que legisladores (historicamente homens) criaram leis em defesa das mulheres porque reconheceram uma grande discrepância que a sociedade não mais admite, e, portanto, não vê os avanços legislativos como vingança legalizada, mas sim como uma necessidade para garantir que as mulheres possam exercer seus direitos.
Contudo, Verena Fonseca, embora concorde que as leis são "extremamente importantes para garantir que esse público mais vulnerável seja preservado", ressalta que é crucial fazer ressalvas. Ela critica a aplicação arbitrária e as falhas na legislação, citando o crime de violência psicológica, que só considera mulheres como vítimas. Segundo Verena, proteger o vulnerável é justo, mas "criminalizar inocentes é cruel".
A preocupação com a aplicação da lei é reforçada por Felipe, que questiona a qualidade da lei em face das "tantas aberrações acontecendo". Grandini, porém, defende que a lei em si pode ser "perfeita", mas o problema reside na sua "aplicação eventual" e na parcialidade do judiciário ou da jurisprudência. Ele aponta que o sistema recursal brasileiro existe justamente para mitigar injustiças, pois as pessoas estão passíveis de serem julgadas por alguém parcial.
Ainda assim, a questão da impunidade para agressores e a aplicação arbitrária da lei contra inocentes são colocadas como dois erros que precisam ser corrigidos. Verena argumenta que, em alguns contextos, "a palavra da mulher basta", levando homens inocentes a perderem a vida até que provem sua inocência. Ela critica a narrativa de generalização na mídia, que faz com que todos os homens sejam enxergados como "agressores em potencial".
A Vulnerabilidade Masculina Silenciada
O debate também chamou atenção para a dor masculina, que, segundo Verena, é negligenciada.
Verena afirma que homens sofrem abusos recorrentes dentro de casa e, pior, muitos são afastados "compulsoriamente de seus filhos por mulheres que usam crianças como armas". Essa dor, no entanto, não é abordada pela mídia, pois a "dor masculina não vende, não gera like, não gera engajamento".
Ela salienta uma grande fragilidade psicológica masculina, evidenciada pela taxa de suicídio em homens ser duas vezes maior que a das mulheres. Para Verena, a sociedade precisa reconhecer que as leis, ao tentar proteger as mulheres, não podem negligenciar ou criminalizar homens inocentes.
Grandini, embora concorde que injustiças pontuais acontecem, foca em trabalhar com dados e estatísticas, ressaltando que a impunidade dos homens que agridem e executam mulheres é muito maior do que a aplicação arbitrária da lei. Ele expressa o medo de que, por conta de injustiças que afetam 5%, se revogue algo que garante a defesa de 95% das mulheres.
O Legado e a Crítica ao Feminismo
Outro ponto de forte contraste foi a avaliação do movimento feminista.
Verena Fonseca sustenta que não consegue enxergar "absolutamente nenhuma contribuição do feminismo". Ela argumenta que conquistas comumente atribuídas ao movimento, como a igualdade de direitos trabalhistas (garantida pela Constituição de Vargas de 1934) e o direito ao voto feminino (1932), precederam ou ocorreram quando o feminismo ainda não estava consolidado no Brasil.
Em vez de beneficiar as mulheres, Verena enxerga o movimento como uma "ideologia autodestrutiva" com um viés político, que busca igualar as mulheres no que os homens têm de pior, focando em "libertinagem sexual e busca por poder". Ela critica o movimento por não reconhecer a honra no trabalho doméstico e por condenar mulheres que escolhem viver em prol de suas famílias, citando a expoente feminista Simone de Beauvoir. Verena menciona o caso da jornalista Nora Vicent, que, após viver dois anos como homem para provar a injustiça da sociedade contra as mulheres, concluiu que "a vida é muito mais fácil para as mulheres do que para os homens" e que ser mulher é um privilégio.
Em contrapartida, Leonardo Grandini avalia que é ingênuo acreditar que os direitos foram concedidos aos oprimidos (mulheres) por livre e espontânea vontade dos homens (o grupo beneficiado), pois direitos são resultado de muita luta e processos históricos. Ele destaca o precedente do movimento feminista na Revolução Industrial e a luta pelo sufrágio no século XX.
Grandini defende que a liberdade sexual, criticada por Verena, é algo que os homens sempre exerceram sem julgamento social efetivo, e a igualdade exige que as mulheres também exerçam essa liberdade da maneira que bem entendam. Ele vê o feminismo como um fator que ajudou a trazer a liberdade cultural (como o divórcio, que passou a ser socialmente aceito) e a promover a liberdade de escolha.
A liberdade sexual pregada pelo feminismo, contudo, levanta a questão da responsabilidade. Verena argumenta que um movimento é inconsequente se incentiva uma prática (como o sexo casual no primeiro encontro) sem expor claramente os riscos e as possíveis consequências dessa decisão, como a prisão emocional ou o risco físico.
Tradição, Submissão e Relações Modernas
A discussão sobre o papel da mulher na família e a submissão feminina trouxe o debate para a esfera espiritual e tradicional.
Verena Fonseca, utilizando a Bíblia como referência de princípios imutáveis, sustenta que a submissão feminina prevalece, pois a família precisa de hierarquia e ordem para funcionar. Ela esclarece que essa submissão não anula a mulher, mas a resguarda, já que a mesma palavra manda o homem entregar a vida por ela.
Grandini argumenta que tudo é passível de interpretação e atualização, especialmente um livro de 2000 anos. Ele critica a incoerência dos homens contemporâneos que exigem a submissão da geração das avós, mas não querem ser os homens provedores e protetores dessa geração. Grandini aponta a realidade material: o aumento recorde de feminicídios em 2025 e o crescimento de homens que abandonam filhos e não pagam pensão, contradizendo o princípio de "dar a vida" pela mulher.
A essência do desacordo se baseia na visão sobre a igualdade:
- Verena: Defende que homens e mulheres são biologicamente, hormonalmente e estruturalmente diferentes, sendo crucial a igualdade de dignidade e direitos legais, mas rejeitando a tentativa contraproducente de forçar uma "simetria artificial".
- Grandini/Felipe: Concordam nas diferenças biológicas e psicológicas, mas questionam por que, se espiritualmente (em Cristo) homens e mulheres são considerados iguais, essa igualdade de autoridade não se manifesta na vida material e no casamento.
Ao analisar a influência do feminismo nos relacionamentos modernos, Grandini conclui que ele foi mais benéfico, pois tornou as relações mais "equilibradas, mais saudáveis" e deu à mulher a possibilidade de se divorciar e se sustentar, deixando parceiros abusivos. Verena discorda, vendo o movimento como um destruidor, que torna os homens mais passivos e incentiva as mulheres a exercerem funções para as quais não são biologicamente aptas, defendendo a tradição e o conservadorismo como princípios que "conservam a vida".
Em última análise, o debate sublinha a importância de reconhecer os erros e as brechas na aplicação da lei, sem negar as conquistas necessárias (como o direito de a mulher deixar um relacionamento abusivo). O apelo final é pelo bom senso e pela capacidade de dialogar, separando o "bom diálogo" da busca por engajamento ou "lacração", de modo a edificar a sociedade.
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