O governo de Dilma Rousseff, que se estendeu de 2011 a 2016, é um período complexo e polarizador na história recente do Brasil, marcado por uma ascensão meteórica de popularidade e uma dramática queda que culminou em seu impeachment. A trajetória da primeira mulher presidente do Brasil oferece um rico material para reflexão sobre política, economia e sociedade brasileiras.
A Chegada ao Palácio do Planalto: Uma "Dama de Ferro" com Apoio do Gigante
Antes de se tornar presidente, Dilma Rousseff já era uma figura de destaque no governo Lula. Sua visibilidade cresceu consideravelmente durante a "CPI da Tapioca" em 2007, quando, como ministra da Casa Civil, defendeu-se vigorosamente de acusações, sendo elogiada por sua performance e retórica forte. Esse momento teria sido decisivo para Lula, que a escolheu como sua sucessora, apesar de Dilma nunca ter disputado uma eleição.
Sua nomeação como ministra de Minas e Energia em 2003, e posteriormente da Casa Civil em 2005, a consolidou como "braço direito" de Lula. Conhecida pelo perfil "durona" e trabalhadora, ela foi a "mãe do PAC", o principal programa de investimentos do segundo governo Lula. Em 2010, sua eleição ocorreu em um clima de otimismo econômico, com o PIB e a renda crescendo, e a expectativa de que o Brasil se tornaria um país de primeiro mundo. Seu estilo, técnico e discreto, parecia agradar uma classe média que se distanciava do estilo pessoal de Lula. Além disso, a campanha do PT a posicionou como uma continuação das transformações iniciadas por Lula, garantindo que ela não seria apenas uma "sombra" ou "fantoche".
Inicialmente, Dilma contava com 79% de aprovação pessoal em 2013, um recorde que nem Lula havia atingido. O jornal britânico The Guardian chegou a apresentá-la como a segunda mulher mais poderosa do mundo, comparando-a a Margaret Thatcher e chamando-a de "dama de ferro brasileira". A eleição de uma mulher economista e técnica, com forte apoio no Congresso através de uma coalizão, parecia prometer estabilidade e progresso.
A Virada Econômica e a "Faxina Ética"
Ao tomar posse em 2011, o governo Dilma demonstrou um comprometimento inicial com a austeridade fiscal, nomeando Antônio Palocci como Ministro da Fazenda e anunciando um corte histórico de R$50 bilhões no orçamento. Contudo, uma série de denúncias de corrupção levou à demissão de Palocci e de outros 10 ministros, em um movimento que a imprensa chamou de "faxina ética". Embora aplaudida pela população, essa postura "errática" contra a corrupção começou a rachar sua base de alianças e enfraqueceu a agenda de cortes de gastos.
A saída de quadros do governo abriu caminho para a "nova matriz econômica", uma tentativa de aquecer a economia através de investimentos públicos e controle de preços, especialmente de combustíveis e energia. Com uma visão desenvolvimentista, o governo buscou incentivar a industrialização, baixando juros, desvalorizando o real e concedendo subsídios e isenções. No entanto, essas medidas não conseguiram impulsionar a atividade industrial e, a longo prazo, contribuíram para um aumento dos gastos públicos sem responsabilidade fiscal, resultando em crescimento baixo e inflação crescente.
A Agenda Social e os Desafios Culturais
O governo Dilma foi marcado por uma agenda social progressista, dando continuidade e ampliando políticas do governo Lula, com foco adicional no combate ao racismo e à desigualdade de gênero. Entre as iniciativas, destacam-se:
- A regulamentação da PEC das Domésticas, que igualou os direitos de empregados domésticos aos de trabalhadores urbanos e rurais.
- A Lei do Feminicídio, classificando o assassinato de mulheres por questões de gênero como crime hediondo.
- A expansão do Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida.
- O programa Brasil Carinhoso e Brasil sem Miséria.
- O Mais Médicos, que visava ampliar o acesso à saúde em áreas remotas através da contratação de médicos estrangeiros, gerando controvérsias e hostilidade.
- A Lei de Cotas, que reservou vagas em universidades para alunos de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas, buscando equidade e reparação, mas também gerando grande debate.
- A Comissão Nacional da Verdade, para investigar violações de direitos humanos na ditadura militar, causando mal-estar entre os militares.
Paralelamente, o governo enfrentou desafios na agenda de costumes. A proposta do "kit gay" (projeto Escola Sem Homofobia), que buscava combater a discriminação e o bullying homofóbico nas escolas, foi suspensa após forte pressão de bancadas religiosas, evidenciando o crescimento de um movimento religioso e conservador.
2013 e a Crise da Reeleição: O Ponto de Virada
O ano de 2013 foi um ponto de inflexão. As manifestações de junho, iniciadas contra o aumento das passagens de transporte público, rapidamente se transformaram em um "tsunami de insatisfação geral" contra o sistema político e as condições de vida, fazendo a aprovação de Dilma despencar para 30%. Embora o movimento não fosse inicialmente contra o governo Dilma ou o PT, a percepção popular de que as coisas não "aceleravam" no ritmo esperado gerou insatisfação.
A eleição de 2014 foi acirrada. Após a morte do candidato Eduardo Campos, Marina Silva ascendeu nas pesquisas, mas a campanha do PT, considerada "difamatória", atacou a autonomia do Banco Central proposta por Marina, que acabou derretendo nas pesquisas. Dilma se reelegeu por uma margem apertada contra Aécio Neves. Contudo, durante a campanha, o governo intensificou as políticas da nova matriz econômica e utilizou "contabilidade criativa" para segurar preços e manter o desemprego baixo, armando uma "bomba relógio" econômica.
Após a reeleição, Dilma foi acusada de "estelionato eleitoral" por implementar um ajuste fiscal e indicar Joaquim Levy (um liberal, nome cogitado por Aécio Neves) para a Fazenda, contrariando suas promessas de campanha. Essa decisão retirou o apoio popular e rompeu com setores expressivos da base que a haviam eleito, tornando-a uma "presa fácil". Em apenas seis meses, sua aprovação despencou para 13%, o menor índice desde Fernando Collor.
O Caminho para o Impeachment: Alianças Rompidas e a Lava Jato
O cenário político deteriorou-se rapidamente. Em 2015, Eduardo Cunha (PMDB) foi eleito presidente da Câmara, e meses depois, rompeu oficialmente com o governo, iniciando as "pautas bomba", projetos de lei com grande impacto nas contas públicas que visavam desestabilizar o governo. Em dezembro de 2015, após o PT decidir votar contra Cunha no Conselho de Ética, ele aceitou o pedido de impeachment contra a presidente.
Michel Temer, seu vice, embora não rompesse publicamente de imediato, enviou uma carta vazada à imprensa onde se queixava de ser um "vice decorativo". Poucos meses depois, o PMDB desembarcou da base de apoio de Dilma, e Temer começou a articular as alianças para um futuro governo.
Nesse contexto, a Operação Lava Jato, iniciada em 2014, atingiu seu auge, revelando o "petrolão", um esquema de desvio de bilhões de reais através de contratos superfaturados e propinas pagas a políticos e partidos, incluindo grandes nomes do PT. As manifestações contra o governo ganharam proporções massivas, pedindo o afastamento da presidente.
A tentativa de Dilma de nomear Lula como ministro da Casa Civil para articular politicamente e evitar o impeachment acabou piorando a situação, com o vazamento de um grampo que, embora considerado ilegal anos depois, foi suficiente para suspender a nomeação e dar origem ao lema "Tchau querida".
O Impeachment e o "Conjunto da Obra"
O processo de impeachment de Dilma Rousseff não se baseou em acusações de corrupção pessoal, mas nas "pedaladas fiscais", práticas contábeis para ocultar déficits no orçamento. A presidente e seus defensores argumentavam que a prática não constituía crime de responsabilidade e que o processo era um "golpe de estado", sem fundamentos legais sólidos. Por outro lado, havia quem defendesse que o processo seguiu os mecanismos legais para remover um funcionário público por irregularidades específicas.
A reflexão essencial aqui é que, como apontam os especialistas, embora o direito imponha limites formais, a admissibilidade e o julgamento do impeachment são decididos por instâncias políticas. Os parlamentares, ao votarem, frequentemente motivavam seus votos pelo "conjunto da obra" – se Dilma era uma boa governante, se era corrupta, se era apta politicamente – e não estritamente pela questão orçamentária das pedaladas.
Em 12 de maio de 2016, Dilma foi afastada, e em 31 de agosto, teve seu mandato cassado pelo Senado, encerrando seu governo. Michel Temer assumiu a presidência, iniciando um governo focado em reformas econômicas e ajustes fiscais.
A queda de Dilma Rousseff, de uma presidente com aprovação recorde a uma figura impopular e derrubada por impeachment, é um estudo de caso sobre a fragilidade das alianças políticas, a volatilidade da opinião pública e a complexidade das intersecções entre economia, política e moralidade em um país como o Brasil. Seu governo, inicialmente visto como a continuação de um projeto vitorioso, transformou-se em um período de intensa crise e polarização, deixando marcas profundas na paisagem política brasileira e abrindo caminho para novas e mais radicalizadas direitas.