Lula: Uma Trajetória de Transformação e Contradições na Política Brasileira

 


Luiz Inácio Lula da Silva, uma figura ímpar na política brasileira, tem uma trajetória marcada por origens humildes, ascensão meteórica e um legado complexo de sucesso econômico, inclusão social e desafios políticos. O vídeo "GOVERNO LULA: "Socialismo é coisa do PASSADO!"" da Politize! oferece uma profunda reflexão sobre essa jornada, desde seus primeiros passos como sindicalista até sua presidência, destacando as diversas facetas de sua atuação.

Da Origem Humilde à Voz do Povo

Lula nasceu em Garanhuns, Pernambuco, em uma família pobre, e mudou-se para São Paulo em um "pau de arara". Sua infância foi difícil, e ele começou a trabalhar cedo como vendedor de frutas, tintureiro, engraxate, office boy e, finalmente, metalúrgico. Ao contrário de muitos presidentes que eram engenheiros, sociólogos ou advogados, Lula foi o primeiro em quase 50 anos a não ter ensino superior. Essa origem, que para muitos o tornava "despreparado para o cargo", foi, paradoxalmente, a fonte de sua imensa popularidade. Ele falava de política de um jeito que o brasileiro médio podia entender, usando metáforas que se tornaram sua marca registrada e o transformaram em uma figura "pop".

A Ascensão Política e o PT: Do Radical ao Conciliador

A entrada de Lula na política foi influenciada por seu irmão, Frei Chico, um militante comunista preso e torturado pela ditadura. A partir daí, Lula se envolveu com o movimento sindical, tornando-se presidente do Sindicato dos Metalúrgicos em 1975 e liderando greves importantes que o levaram à prisão em 1980. Longe das guerrilhas, ele defendia a organização dos trabalhadores contra o arrocho salarial.

Em 1980, Lula e outros líderes sindicais, intelectuais e membros da Igreja Católica, fundaram o Partido dos Trabalhadores (PT), com um discurso inicial contra a corrupção e a desigualdade social, baseado na ideia de socialismo democrático. Nos anos 80, o PT era visto como um partido "de radicais" e enfrentava dificuldades eleitorais. Lula, que perdeu as eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, estava "cansado de perder".

Foi nesse contexto que ocorreu o "rebranding" de Lula, com a ajuda do marqueteiro Duda Mendonça. A imagem de um "Lulinha paz e amor" emergiu: com aparência mais alinhada, discurso mais tranquilo e focado na conciliação. Ele reafirmou compromissos com a democracia e buscou afastar a fama de radical, inclusive nomeando um empresário do Partido Liberal como seu vice. A famosa "Carta ao Povo Brasileiro", lançada em 2002, foi um marco dessa moderação, buscando acalmar o mercado financeiro e os empresários ao assumir compromissos com o pagamento da dívida, controle da inflação e responsabilidade fiscal.

O Governo Lula (2003-2010): Economia, Inclusão e Contradições

Ao assumir a presidência em 2003, Lula surpreendeu muitos ao seguir os rumos de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, adotando uma política econômica mais liberal, com cortes de gastos, juros altos e o tripé macroeconômico. A reforma da Previdência dos Servidores Públicos, inclusive, causou divisões dentro do PT e a expulsão de parlamentares "rebeldes".

No entanto, a partir do segundo mandato, e especialmente com a crise financeira de 2008, a política econômica do governo Lula começou a se distanciar, tornando-se mais intervencionista, classificada por alguns como neodesenvolvimentista. Essa abordagem incluiu:

  • Incentivos fiscais e aumento dos investimentos públicos em infraestrutura (como o PAC, lançado em 2007).
  • Facilitação do crédito através de bancos públicos e políticas de incentivo ao consumo.
  • Paralisação das privatizações, embora houvesse flexibilização em concessões e capitalizações, como o recorde de venda de ações da Petrobras para o setor privado.

O sucesso econômico do governo Lula foi notável: o PIB cresceu em média 4% ao ano, atingindo 7,5% em 2010; o Brasil saltou da 12ª para a 6ª maior economia do mundo; a renda per capita aumentou significativamente; e o desemprego caiu com o consumo em alta. Parte desse sucesso foi impulsionada pela alta dos preços das commodities, beneficiando a matriz agroexportadora brasileira, especialmente devido ao rápido crescimento da China.

Contudo, o sucesso não se deveu apenas ao cenário externo. O governo Lula focou no mercado interno através de políticas de inclusão social e valorização do salário mínimo. O Bolsa Família, criado em 2003, e o programa Fome Zero, lançado no mesmo ano, ofereceram suporte financeiro direto a famílias em situação de pobreza, impactando mais de 50 milhões de pessoas com baixo custo. Economistas explicam o impacto desses programas pelo efeito multiplicador de Keynes, onde os gastos iniciais estimulam a demanda agregada, gerando mais consumo, investimento e empregos. Esses programas transformaram a base eleitoral do PT, de um partido de classe média urbana para um partido de massas, solidificando o "lulismo".

Ainda assim, o governo enfrentou contradições em diversas agendas:

  • Reforma Agrária e Agronegócio: Embora tenham sido assentadas mais de 600 mil famílias em 8 anos, um recorde, o governo também apoiou o agronegócio com subsídios generosos, o que gerou questionamentos sobre a proteção ambiental.
  • Meio Ambiente: A gestão de Marina Silva trouxe inovações e reduziu o desmatamento na Amazônia, mas a agenda de desenvolvimento econômico eventualmente colidiu com a ambiental, levando à saída da ministra e a acusações de financiamento do desmatamento via BNDES.
  • Política Externa: Lula inaugurou uma política externa "ativa e altiva", aproximando-se de países em desenvolvimento (América Latina, África, Ásia) e fortalecendo o comércio via BRICS e Mercosul, distanciando-se do alinhamento com EUA e Europa. No entanto, suas aproximações com regimes como Venezuela e Cuba geraram críticas de "conivência com regimes autoritários".

Escândalos de Corrupção e Descontentamento Crescente

O governo Lula foi abalado pelo escândalo do Mensalão em 2005, quando vieram à tona acusações de pagamento de "mesada" a deputados aliados para votarem a favor de projetos do governo. O escândalo fez a aprovação do governo despencar, e Lula chegou a pedir desculpas ao povo brasileiro, afirmando ter se sentido "traído por práticas inaceitáveis". Embora a CPI inicial não tenha tido resultados, o STF levou 20 pessoas à prisão em 2013. Para os opositores, as gestões petistas multiplicaram a corrupção; para os membros do partido, a autonomia dada ao Ministério Público e à Polícia Federal sob Lula e Dilma foi que permitiu a descoberta desses casos.

Além disso, a crise do "apagão aéreo", iniciada em 2007, expôs problemas de infraestrutura e gestão nos aeroportos, gerando atrasos e cancelamentos em massa. Isso afetou a imagem do governo, principalmente entre a classe média, e as vaias ao presidente em eventos públicos, como nos Jogos Pan-Americanos, sinalizaram uma insatisfação crescente. Esses eventos, juntamente com os escândalos de corrupção, marcaram o início de um movimento de protestos anti-Lula que ganharia grandes proporções nos anos seguintes.

Um Legado Complexo e Transformador

Apesar dos desafios, Lula encerrou seu segundo mandato com uma aprovação recorde de 87% em 2010, consolidando o "petismo" como uma força política duradoura e pavimentando o caminho para a eleição de sua sucessora, Dilma Rousseff.

Classificar o governo Lula em um espectro político é um desafio, dada sua evolução. Começando próximo ao liberalismo de FHC na economia, ele incorporou elementos desenvolvimentistas e aumentou o papel do Estado, transitando entre tendências social-democratas ou social-liberais. No eixo social, apesar dos avanços em programas de inclusão e direitos (como o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei Maria da Penha e as políticas de cotas), o governo recebeu críticas pelo pouco avanço em pautas mais contemporâneas, como aborto, direitos LGBT e descriminalização de drogas, e até mesmo por uma política antidrogas que aumentou o encarceramento. Sua política externa, embora proativa e comprometida com direitos humanos e democracia, teve alianças controversas e ações que levantaram questionamentos, como a missão de paz no Haiti.

Em suma, a trajetória de Lula é um espelho da complexidade do Brasil. Sua capacidade de se reinventar, de conciliar diferentes forças e de implementar políticas que transformaram a vida de milhões de brasileiros, ao mesmo tempo em que enfrentava escândalos e críticas, cimenta seu lugar como uma das figuras mais impactantes e discutidas na história política do país.

Tags