A Máquina do Caos: Reflexões Sobre o Abandono e o Vício nas Redes Sociais

 



A Máquina do Caos: Reflexões Sobre o Abandono e o Vício nas Redes Sociais

As redes sociais, que outrora nasceram como ferramentas simples para conectar amigos — lembrando-se de tempos como MSN, Orkut, ou o Instagram baseado apenas em fotos e textos —, transformaram-se drasticamente. O que começou como um meio de comunicação que podíamos ligar e desligar sem o vício atual, hoje é uma engrenagem complexa desenhada para nos consumir. Essa evolução levanta uma questão crucial: Estamos usando as redes sociais, ou elas estão nos usando?.

A Trajetória da Fixação: Do Álbum de Fotos ao Scroll Infinito

A história das redes sociais mudou fundamentalmente em meados de 2016, com a criação da barra de rolagem infinita (o feed). Antigamente, postávamos fotos aleatórias, de flores ou da rua, sem a menor preocupação com curtidas ou julgamentos. O Instagram era cheio de fotos completamente aleatórias.

No entanto, as empresas viam um problema: se os usuários usavam as plataformas apenas para se comunicar com amigos e o conteúdo acabava rapidamente, não havia lucro. O ponto de virada veio com o botão de "curtir", criado exclusivamente para manter os usuários fissurados por mais tempo, incentivando-os a postar mais e a se preocupar com a opinião alheia. Para maximizar o lucro, a propaganda se tornou onipresente, refletindo uma realidade onde, pagando ou não, o usuário será exposto a anúncios o tempo todo.

O resultado dessa busca incessante por engajamento é o que o livro "Máquina do Caos" descreve: o algoritmo é uma estrutura feita para nos manter online o dia todo. Tais algoritmos atingiram um nível de complexidade tão absurdo que nem mesmo os próprios funcionários das empresas conseguem mais entender completamente seu funcionamento. Este sistema, que influencia desde eleições até ataques pessoais, exime as redes sociais da responsabilidade, apesar de o algoritmo ser criado exatamente para instigar o caos e a reação imediata.

A Ditadura do Conteúdo Curto e o "Brain Rot"

A migração para vídeos curtos, impulsionada por plataformas como TikTok e YouTube Shorts, redefiniu o consumo. O YouTube, que historicamente era uma plataforma de vídeos longos, agora se adapta com Shorts para se integrar às novas formas de consumo. A cultura atual exige que criadores de conteúdo, mesmo fotógrafos, virem videomakers para sobreviver.

A internet hoje se baseia em "hooks" (gatilhos) que precisam manter o espectador por mais de 3 segundos, pois o cérebro das pessoas está "derretendo" e não consegue mais assistir a algo estático ou longo.

Esse consumo de informação fragmentada e acelerada tem consequências profundas: o Brain Rot (apodrecimento do cérebro) foi inclusive oficializado como um termo no dicionário de Cambridge. É o consumo de conteúdo sem sentido, que muitos buscam como um escape ou o "melhor momento da vida".

Os Custos Pessoais do Vício

O vício em redes sociais é um problema de saúde real, que a autora do livro Nação da Pamí equipara a vícios em substâncias, como álcool e cigarro, mas que não é levado a sério.

As estatísticas são alarmantes: o Brasil é o terceiro país que mais perde tempo e consome redes sociais no mundo (atrás apenas da Quênia e África do Sul), com uma média de 3 horas e 37 minutos diários. Entre adolescentes de 14 anos, passar mais de 5 horas por dia nas redes sociais resultou em um aumento de 50% nos sintomas de depressão para meninas e 35% para meninos.

Para muitos, o tempo gasto é estarrecedor. Uma pessoa relata que perde 14 horas semanais no Instagram, o que equivale a jogar fora cerca de dois meses de sua vida por ano. Além da perda de tempo, o vício gera ansiedade quando se está longe do celular. A rolagem constante impede a criatividade e a produção, levando a um looping de consumo que distancia o indivíduo de seus objetivos.

O vício também destrói a capacidade de atenção focada, tornando a leitura de livros, que exige raciocínio amplo, uma dificuldade imensa. Muitos usuários, especialmente os mais jovens, sentem vergonha e medo de julgamento, o que leva à aversão a postar ou ser visto. As redes sociais tornam-se um mero escape, uma forma de fugir do mundo real onde se sente conectado, mas sem conexão alguma.

O Desafio da Intencionalidade

Diante deste cenário, a reflexão final é sobre o controle. A internet em si é a coisa mais poderosa do mundo; o problema não é a ferramenta, mas como as redes sociais foram arquitetadas para nos usar.

O desafio é reduzir o tempo de tela e quebrar o ciclo da dopamina, que causa um breve bem-estar seguido de uma sensação de vazio. É preciso ser o dono da tela, e não o algoritmo. É possível usar as redes sociais para o propósito original — comunicação com amigos e familiares —, mas é imperativo ter ciência de que o rolamento infinito é um vício.

O convite é claro: faça o teste de usar as redes sociais por 30 dias de forma intencional, garantindo que sejam você quem controla a ferramenta, e não o contrário.

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