A Redefinição do Sagrado: O Reaproveitamento Secular de Igrejas na Alemanha
O panorama religioso na Alemanha passa por uma transformação profunda e notável, forçando as instituições eclesiásticas a confrontarem uma realidade paradoxal: a riqueza histórica e arquitetônica de seus templos versus a ausência de fiéis e os custos crescentes de manutenção. Os excertos sobre o reaproveitamento secular de igrejas na Alemanha oferecem material robusto para reflexão sobre o declínio da filiação religiosa e a criatividade necessária para preservar o patrimônio em meio à crise financeira.
A Crise do Esvaziamento e o Peso Econômico
O problema não é recente, e aflige tanto a Igreja Católica quanto as denominações protestantes, cujos templos centenários estão cada vez mais vazios. O esvaziamento tem um impacto direto no financiamento, já que na Alemanha a filiação religiosa está intrinsecamente ligada à coleta de impostos: quem se registra oficialmente como membro de uma religião reconhecida paga automaticamente 8% a 9% de sua renda para a manutenção dessa denominação.
A base de contribuintes, contudo, encolhe drasticamente. Enquanto no início dos anos 1990 Católicos e Protestantes somavam 57 milhões de fiéis, hoje a soma é de aproximadamente 37,7 milhões. As projeções são ainda mais sombrias, indicando que este número pode cair para 23 milhões até 2060.
Com 47 mil igrejas no país, a conta de manutenção geral gira em torno de 1,2 bilhão de euros anuais, sendo que os custos de manutenção de um único templo chegam, em média, a 26,5 mil euros por ano (sem contar reformas).
Diante deste cenário insustentável, a Igreja Evangélica na Alemanha Central (EKM) admite que "já não precisamos mais de metade das igrejas". A pesquisa aponta que, futuramente, quatro ou cinco de cada dez igrejas não serão mais usadas somente como espaço de culto.
O Dilema do Patrimônio e as Soluções Híbridas
Embora algumas entidades tentem vender esses edifícios em portais imobiliários, a tarefa é complexa. Muitos templos estão sujeitos a rígidas regras de proteção do patrimônio, o que impede sua demolição ou modificações excessivas.
As soluções iniciais focaram na união de forças dentro do campo religioso, como a coabitação de católicos e protestantes rezando sob o mesmo teto (fato que já ocorre em 51 templos na região de Oberpfalz) ou o repasse de uso a outras comunidades religiosas, como os cristãos ortodoxos.
No entanto, a tendência mais radical e notável reside na secularização total dos espaços.
A Reinvenção Secular: Da Missa à Balada
O reaproveitamento secular desses espaços — abrindo suas portas para atividades incomuns e estranhas à função original — é uma resposta prática e, por vezes, surpreendente à crise.
O exemplo mais emblemático é a conversão para a prática de esportes. A antiga igreja St. Peter, em Mönchengladbach, virou um centro de escalada (em 2009), e a igreja católica fechada em Bad Orb foi rebatizada como "Boulder Church", um centro de escalada para crianças e jovens, que exigiu um investimento devenção Secular: Da Missa à Balada
O reaproveitamento secular desses espaços — abrindo suas portas para atividades incomuns e estranhas à função original — é uma resposta prática e, por vezes, surpreendente à crise.
O exemplo mais emblemático é a conversão para a prática de esportes. A antiga igreja St. Peter, em Mönchengladbach, virou um centro de escalada (em 2009), e a igreja católica fechada em Bad Orb foi rebatizada como "Boulder Church", um centro de escalada para crianças e jovens, que exigiu um investimento de cerca de 500 mil euros. Curiosamente, o empresário responsável pelo projeto de Bad Orb se diverte ao lembrar que "o padre foi um dos primeiros a subir pelas paredes". Gelsenkirchen também possui iniciativas semelhantes.
Outros templos adotaram a gastronomia e eventos empresariais como nova vocação:
- Em Limburg, a "Kapelle auf dem Schafsberg" foi transformada em restaurante e espaço para eventos.
- A antiga Igreja Martini de Bielefeld teve destino semelhante.
- Em Berlim, o café Pandoras opera dentro da igreja protestante Heilig-Kreuz, no bairro de Kreuzberg.
O que verdadeiramente marca esta transição é a abertura para a cultura e entretenimento noturno. A igreja Heilig-Kreuz é famosa por sediar exposições, concertos, espetáculos de dança e teatro, e até mesmo noites de DJ. Em um grau ainda mais extremo, a igreja St. Thomas, no mesmo bairro berlinense, já abrigou raves. Eventos culturais, baladas e instalações artísticas (como a vista na Catedral de Essen) demonstram que o espaço físico da igreja está sendo dissociado de sua função estritamente litúrgica.
Reflexão Final
O fenômeno do reaproveitamento secular na Alemanha é mais do que uma mera manobra econômica para "enxugar gastos". Ele simboliza uma mudança cultural profunda na relação da sociedade moderna com suas estruturas religiosas. A crise de fiéis pressiona as entidades a fazerem escolhas difíceis, optando pela preservação arquitetônica através da profanação funcional.
Ao transformar igrejas em centros de escalada, restaurantes ou pistas de dança, a Alemanha não destrói seu passado, mas o reinventa. O teto que antes abrigava a oração e a contemplação agora serve a atividades totalmente seculares, garantindo que a estrutura permaneça de pé, mesmo que o espírito que a habitava tenha se dispersado. Este movimento de reinvenção, que ecoa casos notórios em outras cidades europeias (como o Kaos Temple, uma igreja para skatistas na Espanha), sinaliza que a utilidade social e econômica se tornou o novo imperativo para a sobrevivência do patrimônio eclesiástico.
fonte: https://www.dw.com

