O Choque de Jurisdições: Flávio Dino, Lei Magnitsky e o Impacto no Sistema Financeiro Brasileiro

 



A recente decisão do Ministro Flávio Dino, proferida em 18 de agosto de 2025, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1178, lançou um novo capítulo na complexa relação entre a soberania jurídica brasileira e o sistema financeiro global, especialmente no que tange à aplicação de leis e sanções estrangeiras. Essa medida, que determina que "transações, operações, cancelamento de contrato, bloqueio de ativos, transferências para o exterior ou oriundas do exterior por determinação de estado estrangeiro em desacordo aos postulados dessa decisão dependem de expressa autorização desta corte no âmbito da presente ADPF", busca assegurar que as determinações estrangeiras não tenham eficácia no Brasil sem o aval do Supremo Tribunal Federal (STF).

### A Lei Magnitsky e a Extraterritorialidade Americana

No centro dessa discussão está a Lei Magnitsky, um ordenamento legal estrangeiro (não uma lei brasileira) que, embora não seja formalmente válida no Brasil, exerce influência global por meio do sistema financeiro internacional. A Lei Magnitsky estabelece que uma pessoa sancionada não pode fazer negócios com "US Persons", que são pessoas físicas e jurídicas dos Estados Unidos. O alcance dessas "US Persons" é vasto, abrangendo desde provedores de pagamento e cartões de crédito até sistemas e patentes de tecnologia utilizados mundialmente pelo sistema financeiro, incluindo o sistema SWIFT, cuja sede é nos Estados Unidos e que se utiliza do dólar para a maioria das transações internacionais.

A relevância da Lei Magnitsky reside em sua capacidade de impor **multas severas** a qualquer "US Person" – mesmo que operando fora dos Estados Unidos, como no Brasil, Índia ou África do Sul – que preste serviços a indivíduos sancionados. O caso do banco francês BNP Paribas, multado em aproximadamente 9 bilhões de dólares (cerca de 50 bilhões de reais) por prestar serviços a pessoas na lista da OFAC (Office of Foreign Assets Control, órgão de controle de ativos estrangeiros dos EUA), ilustra a seriedade dessas sanções. Eles pagaram a multa para evitar a exclusão do sistema financeiro global.

### O Dilema dos Bancos Brasileiros

A decisão do Ministro Flávio Dino, que notificou o Banco Central, a Febraban, a CNF e a CNSC, coloca os bancos e instituições financeiras brasileiras em uma **"sinuca de bico"**. De um lado, o STF determina que a **última palavra** para cancelar contas ou impedir operações financeiras de uma pessoa por determinação estrangeira é do próprio STF. Se os bancos brasileiros não seguirem essa determinação e aplicarem sanções estrangeiras, o STF, seguindo seu rito (que inclui notificação, prazos, multas e, em último caso, prisão de administradores ou bloqueio de bens), pode puni-los severamente.

Por outro lado, se os bancos brasileiros forem forçados a não respeitar as sanções americanas (por exemplo, atendendo a alguém como o Ministro Alexandre de Moraes, que é considerado violador de direitos humanos pelos Estados Unidos e está na lista da OFAC), as "US Persons" que lhes prestam serviços (como provedores de cartão de crédito, software, TI) podem romper contratos. Se essas "US Persons" forem empresas com sede ou representação no Brasil, elas também podem ser obrigadas judicialmente pelo STF a manter os contratos. No entanto, se o fizerem, estarão sujeitas a multas pesadas por parte dos Estados Unidos, como ocorreu com o BNP Paribas.

### As Consequências e a Reação Americana

A situação é ainda mais tensa pela **reação imediata dos Estados Unidos**. O Bureau of Western Hemisphere Affairs, por meio de um tweet traduzido pela Embaixada dos EUA no Brasil, afirmou que "nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos Estados Unidos ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las". A nota também alertou que pessoas e entidades sob jurisdição dos EUA estão proibidas de manter relações comerciais com Alexandre de Moraes, e que aqueles fora da jurisdição americana devem agir com máxima cautela, sob risco de também serem alvo de sanções.

No limite, as consequências macroeconômicas de um embate entre as jurisdições podem ser **gravíssimas**:
*   **Rompimento de contratos** com empresas americanas essenciais para o funcionamento do sistema financeiro.
*   **Instabilidade diplomática** e imposição de **sanções adicionais** ao Brasil ou a bancos específicos.
*   A mais drástica das consequências: a **exclusão do Brasil do sistema SWIFT**. Isso significaria que bancos brasileiros não teriam mais acesso a remessas de dinheiro internacional, inviabilizando o comércio exterior (exportações e importações de agro, minérios, petróleo), remessas de lucro para multinacionais e royalties, o que poderia levar à quebra do país. O palestrante ressalta que o Brasil não tem a estrutura da Rússia ou da China para aguentar tal situação.

### E o seu "rico dinheirinho"?

Diante desse cenário, surge a preocupação sobre o impacto direto na vida financeira do cidadão comum. O palestrante, no entanto, oferece uma **mensagem de tranquilidade**:

*   **Não se preocupe com seu dinheiro em bancos brasileiros:** Depósitos em conta corrente, CDBs, títulos Selic ou outros títulos do tesouro, guardados em Reais em bancos operando no Brasil (independentemente de serem americanos, europeus ou brasileiros), **estão seguros**. Não há necessidade de corrida bancária.
*   **Cartões de crédito:** Mesmo em um cenário extremo de corte do SWIFT, cartões de crédito americanos como Visa e Mastercard podem continuar funcionando internamente no Brasil, como observado na Rússia após suas sanções.
*   **Mercado acionário:** Pode haver estresse no mercado de ações, especialmente para bancos e exportadores, mas é um risco a ser avaliado com calma.
*   **Dinheiro no exterior:** Se você não for uma pessoa sancionada, seus bens e dinheiro em contas no exterior não devem ser afetados, embora possa haver instabilidade para movimentação de fundos do Brasil.
*   **Exportadores/Mineradores:** Setores que dependem de remessas internacionais, como agricultores e mineradores, poderiam enfrentar problemas se o SWIFT fosse realmente afetado.

O palestrante expressa a forte crença de que a situação **não chegará ao desligamento do SWIFT**. Ele espera que prevaleça o bom senso, levando a conversas e resoluções que evitem um caos financeiro e diplomático. O mercado, inclusive, tem demonstrado tranquilidade, o que sugere que essa percepção é compartilhada.

Em resumo, enquanto a tensão geopolítica e jurídica se desenvolve, o impacto mais direto no dinheiro depositado em bancos brasileiros para a maioria da população deve ser mínimo, segundo a análise apresentada. Acompanhar os desdobramentos é crucial, mas o pânico e a corrida bancária são descartados como reações desnecessárias.


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