Um Início Promissor e o Mito do "Caçador de Marajás"
Fernando Collor de Mello assumiu a presidência da república em 1990 com a promessa de modernizar o país. Nascido em uma poderosa dinastia política de Alagoas, com seu avô sendo criador do Ministério do Trabalho e seu pai ex-governador e senador, Collor construiu uma imagem de "antisistema" e "antipolítico", apresentando-se como um candidato novo e jovem em contraste com os grandes nomes da política da época. Ele se lançou como "caçador de marajás", combatendo funcionários públicos com supersalários e sem compromisso, e como defensor dos descamisados. Essa retórica, aliada a um discurso de modernidade e redução do Estado, o levou à vitória na primeira eleição direta em quase 30 anos, tornando-o o presidente mais jovem da história das Américas.
As Drásticas Reformas Econômicas: Entre o Liberalismo e a Intervenção Estatal
O governo Collor é frequentemente associado a mudanças profundas na economia. Logo após a posse, ele lançou uma reforma administrativa visando modernizar o governo, que incluiu cortes de gastos públicos, demissões de funcionários e a extinção de ministérios e órgãos federais. As privatizações também foram uma marca, com a venda de empresas siderúrgicas e petroquímicas, embora o plano ambicioso de privatizar 68 estatais tenha resultado na venda de apenas 18. Essas medidas alinhavam-se à onda liberal da época, buscando reduzir a intervenção estatal na economia.
Contudo, a medida mais emblemática e polêmica foi o Confisco das Poupanças em março de 1990, parte do Plano Collor. Com o objetivo de combater a hiperinflação, o governo bloqueou o dinheiro depositado em poupança, conta corrente e outros investimentos acima de 50 mil cruzados novos, que seriam devolvidos 18 meses depois em parcelas. Essa ação, tomada via Medida Provisória e sem passar pelo Congresso, gerou um impacto devastador na economia, levando ao desaparecimento do capital de giro de empresas, quebra de pequenos negócios, demissões em massa e congelamento de salários e preços. A classificação política dessa medida é complexa, pois, apesar das tendências liberais, o confisco representou uma das maiores intervenções estatais na economia brasileira.
Apesar do apoio inicial de parte da população, o Plano Collor não atingiu seu objetivo a longo prazo. A inflação, que teve uma trégua inicial, disparou para 1620% no ano e o PIB caiu 4.3%. A insatisfação levou ao lançamento do Plano Collor 2 e, posteriormente, ao Plano Marcílio, mas a inflação continuou sendo um desafio.
Uma Política Externa e Social Surpreendentemente Progressista
Paradoxalmente, em outras áreas, o governo Collor apresentou facetas consideradas progressistas. Na política externa, Collor buscou modernizar a imagem do Brasil no exterior, que era vista negativamente devido à ditadura, falta de respeito aos direitos humanos e postura fechada. Ele defendeu o livre comércio internacional, buscou estreitar laços com países desenvolvidos e liderou a agenda ambiental, sediando a Rio 92, uma importante conferência internacional sobre meio ambiente e desenvolvimento. O Brasil ganhou destaque ao defender seus direitos sobre a Amazônia e foi pioneiro na obtenção de financiamento internacional para reduzir o desmatamento.
Na área de direitos humanos, Collor investiu em uma política multilateral, assinando a convenção contra a tortura e ratificando a convenção interamericana de direitos humanos. Ele também demarcou 100 terras indígenas e reconheceu outras 58, sendo o presidente que mais demarcou terras proporcionalmente ao tempo de governo. A integração regional, especialmente com o Mercosul, também foi um ponto forte de sua gestão.
Na política social, embora a agenda econômica de estabilização tenha comprometido muitos programas, o governo Collor foi responsável pela criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e pela unificação das autarquias que deram origem ao INSS. Essas medidas, juntamente com as políticas ambiental e de direitos humanos, aproximam seu governo de uma centro-direita que alia liberalização econômica a uma regulação equilibrada das relações de trabalho, ou mesmo de um "liberalismo progressista".
O Escândalo de Corrupção e o Impeachment
Apesar dos esforços de modernização, o governo Collor foi abalado por um esquema de corrupção que envolvia o tesoureiro de sua campanha, PC Farias. As denúncias de enriquecimento ilícito e tráfico de influência, expostas pelo próprio irmão do presidente, Pedro Collor de Mello, em 1992, levaram à instauração de uma CPI no Congresso. A descoberta de uma compra suspeita de carros, como um Fiat Elba para uso pessoal de Collor, com dinheiro de corrupção, foi crucial para ligar o presidente ao esquema.
Com o governo desgastado e a base partidária reduzida, Collor convocou seus apoiadores para irem às ruas de verde e amarelo, mas a maioria da população vestiu preto em protestos organizados pelos estudantes, os "caras-pintadas". A pressão popular e a aprovação de um relatório da CPI que considerava suas ações incompatíveis com a dignidade do cargo levaram à abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Diante da iminente aprovação no Senado, Fernando Collor de Mello renunciou à presidência em 26 de julho de 1993, mas o Congresso decidiu pela perda de seus direitos políticos, afastando-o de cargos públicos por uma década. Itamar Franco, o vice-presidente, assumiu o cargo com o desafio de restaurar a confiança e estabilizar a economia, o que seria feito posteriormente com o Plano Real.
Conclusão: Um Legado de Contradições e Reflexões
O governo Collor é um período marcante na história brasileira, caracterizado por contradições e reviravoltas. Sua gestão, que prometia modernidade e eficiência, terminou abruptamente em um escândalo de corrupção e um processo de impeachment histórico. A tentativa de classificar Collor em um único ponto da bússola política é difícil, pois ele combinou medidas de liberalismo econômico (privatizações, cortes de gastos) com uma das maiores intervenções estatais (confisco da poupança), ao mesmo tempo em que adotou políticas consideradas progressistas (meio ambiente, direitos humanos, integração regional).
A "novela" de seu governo, inclusive inspirando uma produção televisiva censurada, é um reflexo da intensidade daquele período. A história de Collor nos convida a refletir sobre a complexidade da política brasileira, a fragilidade da confiança pública, os perigos da corrupção e os desafios perenes de estabilizar a economia e modernizar o país. O vídeo "GOVERNO COLLOR: "O seu dinheiro é MEU!"" oferece um panorama rico para compreender essas dinâmicas, destacando as várias faces de um líder que ascendeu ao poder prometendo renovação e caiu em meio a denúncias e o clamor das ruas.